domingo, 13 de julho de 2008

Antes e depois


Sábado estive com uns 50 exemplares de meus concidadãos fortalezenses em diversas e sucessivas filas de atendimento em certo centro dermatológico da cidade, público. De princípio, é preciso que explique porque estava lá: sou um caso interessante (assim o que a dermatologista que “me indicou” disse) para a correção de cicatrizes de acne, motivo pelo qual fui convidado para objeto de estudo (e de prática) para um congresso de dermatologia que vai acontecer este ano.

Minha disponibilidade tamanha, já no início, quando do convite em um acéptico consultório particular, foi impensada e agora de certo modo me espanto dela: serei tratado como paciente ou serei impacientemente testado, pedagogicamente exposto? Para mim não importa, em verdade, nem fere a dignidade. Contanto que não me tome muito tempo e que não tenha dores de cabeças com algum erro, e que me arranquem um pé em vez da cara. A sistemática destes congressos ainda me é estranha, mas me acalma pensar que se não fosse algo seguro jamais o fariam, devido ao medo que o homem médio (e o dermatologista médio) tem de represálias legais.

Passei muito tempo lá, algo como 3 horas do momento que entrei até o clic da “foto”, procedimento, aliás, obrigatório para todos, ao menos foi o que entendi, os que venham a fazer um processo cirúrgico, nem que seja superficial, a fim de fazer o que, com propriedade, um colega de espera chamou de “o antes e o depois”. Pois bem, até este ponto que comento, passei por umas outras 3 ou 4 filas, inclusive uma em que assinei alguns papéis: um em que autorizo o procedimento e tomo ciência das implicações dele decorrentes (e que, nestas palavras: “a medicina não é uma ciência exata”); outro, em que autorizo o uso da fotografia do meu “caso” para o uso interno e a divulgação científica.

Mas o que me chamou a atenção mesmo foram as figuras que encontrei na mesma situação que eu. Eram homens e mulheres, nem muito feios nem muito bonitos, que me acompanhavam naquela via, expondo ao próximo suas inquietações epiteliais, mesmo sem sobre elas comentar, apenas implicitamente, às vezes, inclusive, as de natureza mais íntima. Verrugas, vitiligo, cicatrizes, manchas. Um self-service das diversas superficialidades humanas.

Uma das filas desembocava em um auditório, no qual é feita uma espécie de triagem para se saber ao certo o que é que quer o paciente e o que dele farão os médicos. Eu, como fui direcionado para o congresso, fui logo encaminhado de acordo com o “curso” no qual seria mais útil (talvez, espero, o que mais me beneficia de acordo com minha situação). Logo quando cheguei, entretanto, observei o que já fez valer a pena ter ido, mesmo que, daqui para setembro, desista da operação: uma mulher, estrategicamente de costas para nós, que esperávamos a vez, e de frente para os três médicos que nos avaliavam, pedia para trocar de nariz.

Seus cabelos negros e espessos não destoavam do de nossa gente, e o fato de não estarem pintados indicava, no mínimo, bom senso. Simples e longos, eram, pelo que vi, modestos, e não havia pretensão, e, talvez, nem dinheiro, para corta-los ou trata-los de outra forma. Sua roupa, não sei se estou certo, pareceu antiga, como se já a usasse desde os anos 80, a despeito de ser uma roupa bonita e, até, bem apresentável, com a qual se pode ir a uma festa, ou a uma ocasião solene.

Dispensada pelos doutores, indo em direção a outra fila, que também nos esperava, consegui vê-la, ela e seu nariz. Era um nariz comum, a meu ver, médio. Não tinha o fomato nórdico dos narizes desejados, mas não chegava a ser horrível, deformado ou coisa do gênero. Esta senhora me fez lembrar Vintagelo, o personagem de Pirandello (rima), que certo dia olha no espelho o próprio nariz e o percebe torto para um lado. Um dia talvez, tenha descoberto um grande nariz, no lugar do seu, ou daquele que considerava seu, do modo como o via. Ou, o que é mais provável, tenha passado a vida a reclamar de si por ter concebido, no esforço biológico do desenvolvimento corporal, um nariz daquele jeito e não de outro.

Pensei um pouco sobre a situação desta mulher e a minha, e cheguei a conclusão que um nariz, por mais grande que seja, não pode ser maior que uma alma humana, nem venta alguma pode sugar, com seu buraco, uma vida prenhe do espírito universal. Esta informação não estava, entretanto, nos papéis que nos deram para ler e assinamos, e o mesmo acredito que ocorra em todos os rincões do nosso, na saúde e na doença, unificado SUS.

Um comentário:

Thalita Castello Branco Fontenele disse...
Este comentário foi removido pelo autor.