segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

JÁ FUI INVENCÍVEL?


Um dos prováveis sinais de que se está ultrapassando o limiar de um novo tempo (ou “fase da vida”, como se houvesse uma ordem linear em marcha) é quando a atual impressão que temos do passado difere quase totalmente daquela de quando ali estávamos. Como o passado de que falo não ultrapassa duas décadas, tenho nítida lembrança do que realmente ocorreu e do que a partir daquilo refletia, coisa que, aliás, me acostumei a fazer desde muito cedo.

De início, pensava que a infância e a adolescência não me eram tão boas quanto deveriam, ou quanto eu merecia. Tantos os percalços e as frustrações que talvez houvesse o destino exagerado em me ensinar algo que já perdera o sentido. Hoje, tenho a sorte sazonal de rever algumas pessoas que passaram (o que, no inglês, é algo como morrer), de revisitar na memória uma página de um dos primeiros livros que eu li, a cor do céu quando chovia e o modo como os bueiros, no Benfica, àquela hora, regurgitavam o esgoto. Lembro-me agora de um beijo, de uma ambição, da minha caligrafia que piorava a cada ano escolar.

Já fui invencível? Me questiono, impressionado, crendo que sim. Pode ser isto uma tática complacência com o irreversível, protegendo-me para o futuro próximo, como uma multidão em fuga se desfaz do que pode pesar na viagem. Talvez. Mas se é tudo proteção ou supressão, por que a saudade? E por que se unem tão insistentemente os tormentos e as alegrias, como se fossem uma coisa só?

A explicação anterior, portanto, torna-se questionável. Um pai que ri quando o filho cai, ou quando chora por qualquer razão infantil, talvez sinta algo comparável: vivendo em dimensões diferentes, o filho chora porque aquilo lhe dói, mas o pai não chora, porque acha que já viveu aquilo e apenas acha, pois não lhe é permitido retornar e ser o que era. É como nos sonhos, ou nas visões, em que os mortos nos sorriem quando o tempo é de desespero.