quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

OLÁ, VOCÊ É EVANGÉLICO.


Alguém pára os olhos no meu rosto com um olhar analítico. Como se fosse o resultado de árduo pensar e repensar, a pessoa toma coragem e me pergunta, logo quando cessa o assunto (quase sempre burocrático): diz assim, de repente, “você (pausa) é evangélico”?

Pensando a respeito, lembro que hoje mesmo perguntei a um pernambucano: Você é daqui? O que quis dizer foi, na verdade, uma frase afirmativa: “você é pernambucano”. De nenhum tom ofensivo, perguntas retóricas como estas são dádivas sociais, coisa que nos põe, frente aos estranhos, no terreno seguro e comum do óbvio. Entretanto, nunca se sabe se o assunto puxado é o mais conveniente. Pior é que muitas vezes não é.

Não que eu me incomode com minha cara de crente. É algo como ser pernambucano. Ninguém tem culpa de ter sido parido em Pernambuco, assim como não tem culpa das escolhas estéticas que dão a este ou aquele a cara piedosa dos que acreditam, porque, afinal, nem tudo que se faz é em nome da aparência. Sou branco porque não gosto do sol e na praia, quando vou, me atenho mais ao mar e ao filtro solar (50). Que eu saiba, aliás, alguns evangélicos são até negros de nascença.

Longe está esta minha faceta “crente” de ser a pior que possuo. Para quem já ouviu insinuação de que padece de anemia, a bíblia sagrada é fardo leve. Significa, contudo, que reúno um número considerável daquilo que o vulgo (no que me incluo) pensa até sem querer dos crentes: pessoas confiáveis, mas não muito amigáveis, boazinhas e monótonas, comportadas e limitadas, moralistas e centradas.

Há ainda a possibilidade de meu interlocutor ser ele próprio crente, o que muda a afirmativa implícita para, especificamente, “somos crentes”.Vê-se que é um chamado à solidariedade, uma saudação amigável em um mundo majoritariamente hostil a quem tem valores morais quaisquer (mesmo que anti-cristãos). Que prazer o de reconhecer um igual! Ainda mais quando se trata de um desconhecido, que normalmente disfarça o que é, mas, naquele momento, torna-se um caminho para a verdade verdadeira, para o mundo ao mesmo tempo real e ideal!

Mesmo nesta última hipótese, porém, não se passa da barreira dos conceitos precipitados, mal formados. Talvez seja até mais espantoso, porque isto prova que um crente verdadeiro procura por seus semelhantes usando a mesmíssima ferramenta de pessoas que sequer suportam ouvir falar de música gospel, ou mesmo de Jesus Cristo.

Isto pode significar, na minha visão, que estes preconceitos são critérios suficientes e úteis para quase todos. Especialmente quem se aproveita da visão alheia sobre si próprio. No meu caso, já fui, naturalmente, beneficiado por isso e quase sempre notei o quão relevante para minha vitória foi minha miopia e epiderme evangélicas.

Temos caixas-pretas no lugar de cérebros, daí serem as aparências, como a de cordeiro, tão confiáveis, nem que sejam fantasias lupinas. Contudo, nem sempre é preciso balir, o que complica situação aparentemente simples. Livrar-se de clichês que repousam sobre uma aparência é tarefa muitas vezes frustrante. No meu caso, eu que não me dou tanta importância, posso dizer com alguma propriedade: para alguns sou uma ovelha rouca que rosna, late e late inutilmente ; para outros, um elefante branco. E carnívoro.