domingo, 8 de maio de 2011

A TEORIA DO FUNIL (de cabeça pra baixo)


Uma das aulas que me causou mais impressão na vida foi uma que tive na 4ª série do fundamental. Pensando bem agora, talvez eu tivesse 11 anos na época. Da aula mesmo, em si, nada eu lembro, mas de uma pequena exposição da professora, dada em um momento de aparente desespero pela falta de atenção da infernal turminha em que me haviam colocado, recém-saído de um colégio bem menor e mais calmo. A baderna era geral, e a turba dos meus coleguinhas não dava sinal de parar. Eu, como sempre, nada falava, até porque não tinha vontade; se tivesse, não tinha com quem.



Essa professora, então, para tomar as rédeas da situação, resolveu, olha só, argumentar. E o seu argumento para calar a boca e prestar atenção na aula era a teoria do funil. Ganhando momentaneamente a atenção dos alunos, ela desenhou dois traços em direções convergentes, como as paredes de um funil. Antes que os traços se encontrassem, ela fez dois traços paralelos, formando um pequeno bico, de espessura muito fina. Apontando, então, a boca do funil, ela nos disse: "Vocês devem se concentrar, gente, porque a vida é como um funil". "Vocês agora estão aqui", marcando-nos com um riscado de giz. "Mas, depois, o funil vai diminuindo, e aí só vai conseguir o que quer quem conseguir passar pelo bico do funil". Enquanto falava, fez então uma seta apontando os privilegiados no biquinho fino do funil.



Eu tinha uma qualidade que meus outros colegas não tinham: eu sabia que uma pessoa mais velha poderia me ensinar alguma coisa. Pena que talvez a lição não fosse assim tão correta, ou que talvez eu não tenha lidado tão bem com ela. Lembro de como o desenho me impressionou. O começo do funil, larguíssimo, cabia todos os alunos da sala, do colégio inteiro, talvez do Ceará todo. Já o bico do funil era irremediavelmente pequeno. Tentei até pensar que não era tão pequeno assim. Achei até que tinha sido de alguma forma calculado para parecer de um tamanho mediano, para não fazer da tarefa de passar por lá algo impossível.



Não era difícil alimentar minha neurose. Muito estresse depois, e um percurso estudantil com mais vitória que derrotas, fico pensando em como vão meus ex-colegas, daquela sala. Certamente muito bem, obrigado. A maioria deles da classe média, ou classe média alta. Quem realmente conseguiu passar em vestibulares para escolas públicas? Talvez poucos da minha sala. Não tenho ideia do número, mas ao menos no Direito, não lembro de nenhum (o que já prova alguma coisa, já que quase todo mundo quer fazer Direito hoje em dia). Não ficaram, contudo, sem Faculdade. Só pagaram algo a mais. Quer saber? Nosso funil está de cabeça pra baixo. A seleção é na hora do nascimento. Depois é até difícil, vá lá. Mas a parte pior já passou.

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